Uma novela sem fim tenta criar o zoneamento
Polêmico sob todos os aspectos, o Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE) divide opiniões não somente sobre sua essência, mas até mesmo quanto ao prazo para que um estudo contratado junto à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) para ser executado pela Fundação Uniselva, comprove cientificamente se áreas apontadas pela Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) nos vales Araguaia e Guaporé são realmente úmidas como foram definidas ou se não se encaixam nos critérios da Seplag.
O prazo limite de 120 dias para a apresentação do estudo sobre o tema foi concedido judicialmente numa audiência de conciliação conduzida pelo juiz Rodrigo Roberto Curvo, da Vara do Meio Ambiente, e venceria no domingo, 18, e foi estendido ao primeiro dia útil subsequente, a segunda-feira, 19.Se arrastando desde 2008, o zoneamento chegou à judicialização pelo Ministério Público (MP) e a solução desse impasse desaguou no Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania Ambiental de Mato Grosso (Cejusc Ambiental) e o juiz Roberto Curvo concedeu 120 dias para a Assembleia apresentar um estudo técnico elaborado por pesquisadores, para embasar o desdobramento da ação, que tanto pode permanecer assegurando a exploração das áreas ditas úmidas como suspendê-la até o julgamento do mérito, enquanto se espera pela decisão da Assembleia em plenário sobre o zoneamento.Para o MP falta regulamentação para disciplinar ambientalmente as áreas úmidas em Mato Grosso e quer sua rápida definição.
A Assembleia entende que o prazo concedido pelo magistrado deixou de existir por conta de um efeito suspensivo do desembargador Márcio Vidal, do Tribunal de Justiça, que derrubou a decisão de Rodrigo Curvo, até que a ação seja apreciada no mérito. Porém, esse fato é anterior à conciliação que resultou na concessão de 120 dias de prazo para o estudo ser elaborado.Sobre o prazo, a Uniselva foi lacônica. Em nota sua assessoria disse que, "Na qualidade de instituição de apoio à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Fundação Uniselva atua na gestão administrativa e financeira das atividades de pesquisa ligadas ao projeto "Mapeamento de Áreas Úmidas na Região do Araguaia", que é conduzido por pesquisadores da UFMT. Assim, é importante ressaltar que a Uniselva não interfere no andamento das pesquisas. As atualizações sobre o desenvolvimento do estudo são de responsabilidade da sua coordenação".
A Assembleia não se posicionou e o presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado Carlos Avallone (PSDB), encontra-se em viagem ao Nortão.
Porém, uma fonte do gabinete do deputado Valmir Moretto (Republicanos) entende que o prazo entrou na esfera do sine die, por entender que não se pode engessar o tempo necessário para elaboração de estudos a campo em uma área tão vasta
. A mesma fonte informou que a conclusão dos trabalhos da Uniselva ainda depende da coleta de material em dois pontos no Vale do Guaporé e em um ponto no Vale do Araguaia. "Isso (o estudo) deve terminar em abril", avaliou.
Segundo a Assembleia, o estudo foi contratado por R$ 2,1 milhões junto a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) para ser conduzido por pesquisadores da Fundação Uniselva, que é ligada àquela universidade.Caso seja aprovado pela Assembleia nos moldes como foi apresentado, o zoneamento travará a atividade agropecuária em 4,25 milhões de hectares (ha) no Araguaia e sobre 600,5 mil ha no Guaporé.
O município que teria mais áreas retiradas do processo produtivo em caso de aprovação do modelo de zoneamento apresentado seria Cocalinho, no Araguaia, divisa com Goiás. O deputado Dr. Eugênio entende que a proposta do zoneamento tem que ser alterada, sob pena de a mesma desestabilizar social e economicamente Mato Grosso, principalmente os vales do Araguaia e do Guaporé, na fronteira com a Bolívia.Enquanto se espera pela definição judicial, o projeto do zoneamento segue seu curso tendo à frente Basílio Bezerra (Seplag) e a secretária de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti.
PASSO A PASSO - O zoneamento foi determinado pela Constituição Federal de 1988, e o Novo Código Florestal, de 2012, determinou que a lei tratando do assunto fosse aprovada até 2017.
Antes dessa norma, em 2008, o então governador Blairo Maggi enviou à Assembleia um projeto para a criação do zoneamento mato-grossense e o Parlamento criou uma comissão especial presidida por Dilmar Dal Bosco (DEM) e tendo Alexandre Cesar (PT) na relatoria, para analisa-lo e defini-lo.Em dezembro de 2010, a Assembleia aprovou o zoneamento e o governador era Silval Barbosa, mas Silval ao invés de sancioná-lo o devolveu aos deputados para ajustes. Em fevereiro de 2011 o deputado José Riva (PP) assumiu a relatoria do projeto; o mesmo foi aprovado em plenário e voltou a Silval para sanção.
Para entrar em vigor, a Lei 9.523/2011 (que criou o zoneamento) teria que ser submetida à Comissão Coordenadora do Zoneamento e ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e receber a chancela de um decreto da presidente Dilma Rousseff para vigorar como lei.Antes do zoneamento ser encaminhado para Brasília em busca do sinal verde do governo federal, o MP o achou brando e o judicializou com uma ação civil pública.
A Justiça suspendeu os efeitos que a Lei 9.523 teria após um decreto presidencial. Silval preferiu engavetá-lo e o mesmo saiu de cena.Quando da judicialização, a promotora Ana Luiza Peterlini alegou que a ausência de normas para o uso do solo não seria solucionada em razão da inconsistência do zoneamento aprovado. Peterlini disse que "a falta dessa regulamentação possibilitou, ao longo dos anos, a instalação de atividades incompatíveis com este ambiente ecologicamente frágil, causando graves impactos ambientais nas áreas úmidas de todo o Estado, ocasionados por ações antrópicas como o desmatamento, a abertura de canais de drenagem para atividade agrícola, o aterramento de nascentes e veredas, dentre outros".O zoneamento permaneceu engavetado até setembro de 2016, quando voltou ao centro dos debates tendo à frente a Seplag cujo titular era Gustavo de Oliveira.
A busca pelo zoneamento seguia em ritmo de tartaruga. Em março de 2017 o secretário de Planejamento de Mato Grosso, Guilherme Müller, formou uma comissão com representantes de 13 órgãos e entidades para se debruçar sobre o tema. Dentre outros nessa composição, a Famato, ICMBio, Incra, Funai, IMEA, Fiemt, ISA, Cipem, AMM, associações indígenas IrikixiPitukwa e OMICRIKANAS, e OPAN. Após a composição da comissão o governador Pedro Taques assumiu compromisso com o Ministério do Meio Ambiente de protocolar na Assembleia, até o final daquele ano, um novo projeto para o zoneamento, mas não o fez.Novamente o zoneamento saiu de cena. Em janeiro de 2019 Mauro Mendes assumiu o governo e o assunto ressurgiu.
Basílio Bezerra foi nomeado titular da Seplag e Keile Costa Pereira ganhou o cargo de coordenadora do processo de revisão do zoneamento.De 2019 a 2021 o zoneamento hibernou, mas voltou tirando produtores rurais da zona de conforto e levando ambientalistas ao debate. Quando da volta, o Brasil enfrentava a pandemia de covid.
Em nome das medidas de prevenção a Seplag propôs uma consulta pública virtual, para ouvir Mato Grosso sobre o assunto.
Essa proposta sofreu resistência liderada pelos deputados estaduais Dr. Eugênio (PSB) e Valmir Moretto e se formou um bloco de deputados contrário a ela. Os parlamentares justificaram que produtores que seriam atingidos pelas regras propostas pelo zoneamento não tinham acesso à internet.
A Assembleia criou às pressas uma comissão para contestar.Em 25 de setembro do ano passado, atendendo pedido do MP, uma liminar do juiz Rodrigo Roberto Curvo, da Vara do Meio Ambiente, proibiu a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) de conceder licenciamento para realização de obras, atividades rurais e empreendimentos nas áreas consideradas úmidas pela proposta do zoneamento no Araguaia e Guaporé.
O Sistema Famato (pela Famato e seu braço estatístico, o IMEA) entrou na ação via amicus curiae em 27 de outubro o desembargador do Tribunal de Justiça, Márcio Vidal, derrubou o efeito suspensivo da decisão de Rodrigo Curvo, até que a ação seja apreciada no mérito.Após a decisão de Vidal, os deputados estaduais Dr. Eugênio, Max Russi (PSB) e Moacir Couto (PP) foram à presidente do TJ, desembargadora Clarice Claudino, e expuseram os riscos sociais e econômicos no Araguaia e Guaporé, caso as áreas citadas como úmidas sejam reconhecidas como tal. A magistrada apontou o caminho em busca do entendimento: o Cejusc Ambiental.
A Ordem dos Advogados do Brasil entrou na ação via amicus curiae.No Cejusc Ambiental o juiz Roberto Curvo concedeu o prazo de 120 dias para a elaboração do estudo e a Assembleia contratou a UFMT para elaborá-lo, por meio da Fundação Uniselva e a data limite para a apresentação do estudo foi estabelecida para 18 deste mês de fevereiro, mas a mesma coincide com um domingo e, por essa razão, foi transferida para o dia seguinte, 19.
Liberdade FM - Eduardo Gomes