Pandemia infecta, mata e muda costumes nas aldeias xavantes

Mais de 22.300 índios da etnia em 14 municípios se tornam vulneráveis à doença pelo vaivém às cidades da região

Nunca o povo xavante esteve tão ameaçado quanto agora, com a pandemia do coronavírus.

Há temor generalizado entre os 22.300 indivíduos da etnia, dispersa em 12 terras indígenas situadas em 14 municípios do Vale do Araguaia (Leste de Mato Grosso), pois a doença avança pelas aldeias contaminando e matando.

O boletim epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde, de sexta-feira (10), registrou 23 óbitos, incluindo o do cacique Domingos Mãhörõ, 60, que era aldeado na reserva Sangrandouro/Volta Grande e que chefiou o Distrito Sanitário Especial Indígena em Mato Grosso.

Mãhörõ morreu numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Estadual Santa Casa de Cuiabá, na segunda-feira (6).

O boletim informa que 209 indivíduos estão contaminados, 47 são investigados, 56 se recuperaram e que sete se encontram hospitalizados basicamente em Barra do Garças.

Porém, fora dos dados oficiais, observa o secretário-executivo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Lúcio Xavante, ocorreram mortes de mulheres e homens em aldeias, com sintomas do coronavírus e, até agora, não foi possível apurar o que os levou à morte.

O ambiente social nas aldeias contribui para propagação do vírus.

Os xavantes, tradicionalmente, ficam próximos uns dos outros, dividem espaço comum para dormir e se alimentar. Além disso, não há condições de higienização das mãos, como se recomenda, por falta de pias.

Na tentativa de conter o avanço da doença, lideranças indígenas, com apoio da Funa,i montaram barreira nos acessos às suas terras, mas esse bloqueio não os impede de sair. A longa convivência com os habitantes nas cidades não consegue ser quebrada.
 


Foto: Banavita - O ambiente social nas aldeias contribui para propagação do vírus entre os xavantes de MT.

O perfil independente do xavante o leva a deixar a aldeia em busca de alimentos ou, até mesmo, de uma simples visita ao núcleo urbano mais próximo.

Quanto ao uso da máscara, esse então nem se fala e esse tipo de proteção é refugado por adultos e crianças.

Os xavantes temem a doença. Por conta dela, conseguiram mudar alguns hábitos culturais, mas nem todos.

Também temem a internação no Hospital Regional de Água Boa  e em Barra do Garças no Hospital Municipal e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que recebem pacientes indígenas com coronavírus.

Lúcio discorda da proposta do Governo Federal, em montar um hospital de campanha em Barra do Garças, para atender sua etnia e outros povos.

Ele defende que essa unidade hospitalar seja instalada numa das terras indígenas, por razões logísticas e psicológicas.

O líder xavante sabe que discute esse assunto no segundo andar, pois ainda não há nada de concreto para a criação desse hospital, em Barra do Garças, como defende seu prefeito, Beto Farias (MDB), e chegou a ser anunciado pelos ministros Braga Neto (Casa Civil) e Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos).

Damares iria àquela cidade no fim da semana, para discutir o assunto, mas cancelou a viagem e o retirou de pauta.

Segundo Lúcio, a Fepoimt desenvolve múltiplas ações em defesa dos povos indígenas, mas, nesse momento, sua atenção maior é quanto à pandemia. Suas lideranças se preocupam com todos as etnias, pois a doença as ronda indistintamente.

Ele observa que o surgimento do coronavírus somente acontece no contato entre o aldeado e a comunidade envolvente, como ocorreu com um bebê de oito meses, da Terra Indígena Xavante Marãiwatsédé em Bom Jesus do Araguaia  e que foi o primeiro óbito entre os xavantes.

Com suspeita da doença, em 10 de maio, o bebê foi encaminhado ao Hospital Regional de Água Boa, onde não há UTI para paciente com coronavírus, e morreu no dia seguinte.

Com a maioria das aldeias próximas a rodovias e cidades, é intenso o vaivém nas terras indígenas xavantes, que estão presentes diariamente em Barra do Garças, General Carneiro, Água Boa e outras cidades, com destaque para Campinápolis, onde representam a maior parcela da população de 15.980 habitantes.

A proximidade cria o choque cultural, que é intensificado pela evangelização.

Da soma desses fatores surge o ambiente estressante, que arrasta ao alcoolismo e abre caminho ao diabetes, doença que atinge considerável número de aldeados, que também enfrentam tuberculose e hipertensão arterial.

As aldeias se calam. Temerosas aguardam o amanhã, pra se saber sobre as condições de saúde dos contaminados e à espera de que não surjam novos casos.

Enquanto isso, rompendo o costume xavante nos rituais de sepultamentos presenciados somente por eles, sepultam seus mortos cumprindo as normas de segurança ditadas pelas autoridades de saúde que vivem num mundo afastado do seu, mas nesse momento sem distinção nos dois lados da demarcação das terras indígenas, pois a pandemia desconhece limites territoriais e tradições culturais.

Liberdade FM / Araguaia Notícias